Página:A cidade e as serras (1901).pdf/311

Wikisource, a biblioteca livre
A cidade e as serras
297

E nós seguimos, com passos que eram ligeiros, pela hora do almoço que se retardára, pello azul alegre que reapparecia, e por toda aquella justiça feita á pobresa da serra.

— Não perdeste hoje o teu dia, Jacintho, disse eu, batendo, com uma ternura que não disfarcei, no hombro do meu amigo.

— Que miseria, Zé Fernandes! Eu nem sonhava... Haver por ahi, á vista da minha casa, outras casas, onde creanças teem fome! É horrivel...

Estavamos entrando na alameda. Um raio de sol, sahindo d’entre duas grossas, algodoadas nuvens, passou sobre uma esquina do casarão, ao fundo, uma viva tira d’ouro. O clarim dos gallos soava claro e alto. E um doce vento, que se erguera, punha nas folhas lavadas e luzidias um fremito alegre e doce.

— Sabes o que eu estava pensando, Jacintho?... Que te aconteceu aquella lenda de Santo Ambrosio... Não, não era Santo Ambrosio... Não me lembra o santo... Nem era ainda santo... apenas um cavalleiro peccador, que se enamorára d’uma mulher, puzera toda a sua alma n’essa mulher, só por a avistar a distancia na rua. Depois, uma tarde que a seguia, enlevado, ella entrou n’um portal de egreja, e ahi, de repente, ergueu o veu, entreabriu o vestido, e mostrou ao pobre cavalleiro