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A CIDADE E AS SERRAS

balofo e lívida, de eunuco. O monstro explicou numa voz roufenha e surda:

— Mulheres de Madagáscar... Foram importadas quando a França ocupou a ilha!

Arrastei então por Paris dias de imenso tédio. Ao longo do Boulevard revi nas vitrinas todo o luxo, que já me enfartara havia cinco anos, sem uma graça nova, uma curta frescura de invenção. Nas livrarias, sem descobrir um livro, folheava centenas de volumes amarelos, onde, de cada página que ao acaso abria, se exalava um cheiro morno de alcova, e de pós de arroz, entre linhas trabalhadas com efeminado arrebique, como rendas de camisas. Ao jantar, em qualquer restaurante, encontrava, ornando e disfarçando as carnes ou as aves, o mesmo molho, de cores e sabores de pomada, que já de manhã, noutro restaurante, espelhado e dourejado, me enjoara no peixe e nos legumes. Paguei por grossos preços garrafas do nosso adstringente e rústico vinho de Torres, enobrecido com o título de Château isto, Château aquilo, e pó postiço no gargalo. À noite, nos teatros, encontrava a Cama, a costumada cama, como centro e único fim da vida, atraindo, mais fortemente que o monturo atrai os moscardos, todo um enxame de gentes, estonteadas, frementes de erotismo, zumbindo chacotas senis. Esta sordidez da Planície me levou a procurar melhor aragem de espírito nas alturas da Colina, em Montmartre; e aí, no meio duma multidão elegante de Senhoras, de Duquesas, de Generais, de todo o alto pessoal da Cidade, eu recebia, do alto do palco, grossos jorros de obscenidades, que faziam estremecer de gozo

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