Página:A escrava Isaura (1875).djvu/149

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vio o pobre ter razão contra o rico, o fraco contra o forte?...

Daniel[1] entretinha relações occultas com alguns dos antigos escravos da fazenda de Leoncio, os quaes, lembrando-se ainda com saudades do tempo de sua boa administração, conservavão-lhe o mesmo respeito e affeição, e por meio delles tinha exacta informação do que se passava na fazenda. Sabendo dos crueis apuros, a que sua filha se achava reduzida depois da morte do commendador, não hesitou mais um instante, e tratou de tomar todas as providencias e medidas de segurança para roubar a filha, e pôl-a fóra do alcance de seo barbaro senhor. Na mesma madrugada, que seguio-se á tarde, em que a raptou, fazia-se de véla com Isaura para as provincias do norte em um navio negreiro, de que era capitão um portuguez, antigo e dedicado amigo seo. Este chegando ás alturas de Pernambuco, como dahi tinha de singrar para a costa da Africa, largou-os no Recife, promettendo-lhes, que dentro em tres ou quatro mezes estaria de volta e pronto a conduzil-os para onde quizessem. Daniel[1], que em sua profissão de jardineiro ou de feitor havia passado a vida desde a infancia, dentro de um horizonte acanhado e em circulo mui limitado de relações, tinha pouco conhecimento e nenhuma experiencia do mundo, e portanto não podia calcular todas as consequencias da difficil posição, em que ia

  1. 1,0 1,1 Miguel