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casei eu?... Forte desgraça a minha! Casei-me para isso!... Para vir para casa e achal-a vazia, o lume apagado e o caldo na horta... e a mulher a papar missas e novenas lá por essas igrejas... Ora, senhores, que é forte desgraça a minha! É forte desgraça!... Bem morria eu de frio e de fraqueza, se não fôsse aquelle quartilhito... o ultimo, que sempre me deu sua aquella... sim... sempre me conchegou o estomago. Não que dizem que o vinho que faz, que o vinho que acontece... Pois casem-se com uma mulher que vá de madrugada para a igreja e venha de lá quando muito bem lhe pareça, e verão depois se o vinho não serve de cobrir muita lazeira que se soffre... verão depois... Ora, senhores, que é forte desgraça a minha!... Diz que Deus que disse, que a mulher que era a carne da nossa carne e o osso do nosso osso... Deus devia de vez em quando tornar a dizer estas coisas... para não esquecerem... como se faz na escola com a taboada. A minha Cath’rina já o não sabe, aposto... e pelos modos os padres não lhe dizem isto na igreja... pois deviam dizer!... A carne da minha carne e o osso do meu osso!... mas é carne e osso que me não fazem caldo... Ora, senhores, que é forte desgraça a minha!... Como ha de um homem, se isto assim continua, pegar na enxada para dar uma cavadela, ou fazer qualquer sachada?... E tambem quero vêr como hei de no arraial e procissão de Santo Amaro, que não tarda ahi, dar sequer um rufo assim mais tal... assim mais scientifico? Eu se fôsse bispo...

A caudalosa corrente d’este soliloquio foi interrompida pela apparição de nova personagem á porta do quintal.

— Deixe estar, meu padrinho, deixe estar; tenha um bocadinho de paciencia. É um instante emquanto accendo o lume e lhe faço o caldo. Verá.

A pessoa, que assim falava ao entrar para a cozinha, era uma rapariga de doze annos, alva e franzina,