Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/122

Wikisource, a biblioteca livre
122

especie de fascinação, um mixto de respeito e de terror, capaz de dissipar todos os risos dos seus labios infantis. Era outra na presença da madrinha, fitava-lhe nas faces descarnadas e macilentas os bellos olhos negros; seguia-lhe, quasi assustada, o movimento dos labios austeramente contrahidos; tremia ao escutar-lhe a voz aguda e penetrante, falando nas peñas do inferno; chorava á menor reprehensão que d’ella recebia, e comtudo amava-a, amava-a, porque Ermelinda na sua candura de creança, suppunha a madrinha uma santa; avultavam-lhe, como virtudes beatificantes, os defeitos da devota velha; a innocente julgava-se uma grande peccadora quando, depois de ter na mente aquelle perfeito typo, voltava a olhar para si, para o fundo da sua consciencia; e que negros e hediondos peccados lá encontrava! Uma pequena mentirà que dissera; um domingo em que faltou á missa; um juramento que, sem o sentir, lhe saira da bôca; um jejum que não guardára, e outros crimes da mesma fôrça. A amedrontada creança chegava a receiar pela salvação da alma.

É sempre funesta a influencia que exercem sobre a infancia os caractères como os da beata.

O Herodes percebeu a impressão sob a qual estava a filha e acudiu-lhe.

—­Toma lá, Ermelinda—­disse elle, tirando da mala uma pequena medalha com um retrato.—­É um présente do nosso amigo Angelo para nós, où antes, para ti...

Ermelinda pegou no retrato com não reprimido alvoroço. Era outra vez a creança.

A madrinha lançou para a medalha um olhar obliquo e reconheceu o retrato.

—­Em nome do Padre e do Filho e do Espirito Santo!—­rompeu ella, com um espanto exaggerado.—­Este homem não tem a cabeça no seu logar, por maïs que me digam! Elle quer perder a filha de certo! A fazer a cabeça doida a uma creança!