segurando-se com as mãos á borda do caminho; tenteou com os pés as fendas e as anfractuosidades da rocha, até conseguir firmal-os; segurou-se ora a uma raiz saliente, ora a um ramo mais tenaz; á fôrça de vontade dominou a sua impericia em exercicios d’esta ordem, e finalmente conseguiu, estendendo o braço, segurar a mantilha, que o vento arrojára ao precipicio.
Depois, com dobradas difficuldades e por ventura redobrados perigos, pôde, roçando-se como reptil, e ferindo as mãos nas asperezas da rocha e nos espinhos das tojeiras, em que se firmava, pousar outra vez os pés em terra, sem acceitar a mão que Augusto lhe offerecia, e com gesto radiante entregou a mantilha a Magdalena, fixando em Augusto um olhar de triumpho.
Os espectadores d’esta scena haviam-a presenciado sem soltar uma palavra, sem fazer um movimento, quasi gelados de susto e de espanto.
Quando Henrique voltou com a mantilha, Augusto meneou a cabeça murmurando:
— Que imprudencia!
— Na verdade! — disse Magdalena, ainda nervosa com a impressão que este incidente lhe causára — foi uma loucura; uma loucura imperdoavel.
E a perturbação era tal, que nem acertou com uma phrase de agradecimento, com que pagasse a imprudente galanteria, que mais desejava reprehender, do que recompensar.
Esta reserva offendeu Henrique; serviços a seu vêr[1] de menor importancia, tinham merecido a Augusto mais calorosas palavras.
Revoltou-o esta ingratidão.
Mal sabia elle que estava sendo ainda mais ingrato, não concedendo sequer um olhar ás faces desmaiadas pelo terror, aos labios trémulos e aos olhos arrasados de lagrimas, com que o fitava Christina. Ella, que o tinha seguido muda de susto
e de anciedade em toda aquella louca aventura, ella
- ↑ "a seu seu vêr" no original, erro tipográfico.