Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/177

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futuro, a Deus ou ao diabo; e para si não reservava nenhuns.

Proseguia n’aquella vida airada, que já lhe era necessidade. Frequentava as feiras, onde ia para jogar e fazer trocas de cavallos com os ciganos, e ás vezes para dar e levar sovas monumentaes. — Nos mezes de caça, a vida do morgado era perfeitamente nómada: estendia por leguas e leguas as suas excursões venatorias, contentando-se com qualquer cama e comida, de que, de ordinario, participavam os cães, que o acompanhavam; distrahia-se tambem a conquistar os corações femininos da freguezia, calando com dinheiro algumas queixas mais acerbas e insoffridas de um ou outro pae, marido ou irmão. Em todas as tabernas das freguezias vizinhas tinha contas em aberto, o que não obstava a que entrasse em todas com ares de conquistador e expendesse alli as suas opiniões absolutas, com grande exhibição de berros e de punhadas.

Com todas estas qualidades, era o sr. Joãozinho das Perdizes um homem verdadeiramente popular entre os da sua freguezia; movia-os no sentido que quizesse.

Tudo por lá era o sr. Joãozinho; não havia funcção, rixa, solemnidade official, para que elle não fôsse consultado. É que a superioridade do morgado das Perdizes não era d’aquellas que intimidam e acanham o povo; ninguem hesitava em falar-lhe e em procural-o em casa, porque, falando e vivendo com elles, o sr. Joãozinho não constrangia ninguem. Os seus defeitos, a sua vida de feiras e de tabernas eram outras tantas causas a popularisal-o; justo é porém que se diga que algumas boas qualidades tambem para isso concorriam. O sr. Joãozinho não era avarento, nem soberbo. Sentado a beber, e com dinheiro no bolso, não consentia que pessoa alguma, desde o mais rico proprietario até o jornaleiro mais miseravel, recusasse tomar assento a seu lado. Não eram poucos os filhos-familias que resgatára