Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/214

Wikisource, a biblioteca livre
214

muitos desvarios, tem a humilde musa que visita a cabana do lavrador ou a officina do artista.

Apesar da defeza de Ermelinda, Angelo não perdoou ao auto.

— Sabes que mais? Não decores isso — disse-lhe elle resolutamente.

— Meu pae quer.

— O que é que quer teu pae?

— Quer que eu entre no auto.

— E has de entrar. Quem te diz que não?

— E quer que seja a Fama.

— E has de ser a Fama.

— E não hei de falar?

— Has de falar. Tinha que vêr uma Fama que não falasse. Para que lhe serviriam as cem bôcas?

— Então?

— Então; é que não é forçoso que digas o que ahi está.

— E que hei de eu dizer?

— Outra coisa.

Ermelinda olhava Angelo admirada, sem conseguir comprehendel-o.

— Outra coisa! repetiu ella, instinctivamente.

— Olha, proseguiu Angelo. — D’aqui até chegar o dia do auto vae muito tempo. Eu te darei outros versos para estudares, em logar d’esses.

— E onde os tem?

— Eu os procurarei. Não digas tu nada. Basta que no dia recites, em vez d’esses, os que eu te der!...

— Mas que dirá meu pae e o sr. Pertunhas?

— O mestre de latim? Pois que tem elle com o auto?

— É quem ensina como a gente ha de dizer.

— Ah! sim? Pois para que elle nada diga, guarda para a occasião os versos que eu te arranjar. Até ha de ter graça vêr a cara com que elles ficarão todos, quando lhes sair uma coisa bem differente do que esperam.