Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/233

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— Não ha falta de braços n’esta repartição, primo Henrique. Vá a outra porta.

— Agrada-me mais esta tarefa, acho-a ao alcance das minhas fôrças.

— Esta? Como se engana! Não sabe que as rabanadas são a essencia da ceia de Natal? E logo havia de confiar-lh’as?

— Ah! não ligava tanta importancia a estas representantes da pastelaria primitiva, notaveis porque recordam a infancia da arte! Emquanto a mim, já no tempo da peregrinação dos hebreus, Moysés lhes ensinava a cozinhar d’isto.

Magdalena abanou a cabeça em signal de reprehensão.

— Perdôe ás pobres rabanadas o pouco ar de moda que teem. A sua elegancia é implacavel, primo Henrique. Um indigesto manjar francez seria de melhor tom, bem sei. Até n’isso!

— Para provar que estou arrependido da minha irreverencia, consinta-me que a coadjuve, prima.

— Não pode ser; pesa sobre mim uma tremenda responsabilidade.

— Isso equivale a recusar-me o fôro de familia, que tão humildemente reclamo.

— Justamente — respondeu Magdalena. — Eu sou muito escrupulosa n’isso. Faz mal em não reclamar esse fôro de Christina, que talvez encontrasse mais disposta a conceder-lh’o.

— Mas, se me não engano, foi a prima Magdalena que primeiro me conferiu o apreciavel titulo de parentesco com que nos tratamos.

— O de primos? Esse sim; mas não tem os privilegios, que lhe quer dar.

— Que privilegios são?

— Ah!... o de collaborar n’uma ceia de consoadas, por exemplo.

— Parece-lhe, priminha, que será muito exigir o que eu peço? — perguntou Henrique a Christina, que principiára a escutal-os.