Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/236

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animação. Tudo desafiava risos, o dito de uma creança, a anecdota contada por Henrique, as distracções de D. Victoria, as canduras de D. Dorothéa, os paradoxos sustentados pelo conselheiro, as allusões da morgadinha a Christina, a confusão d’esta, as maliciosas insinuações de Angelo.

Assim procedeu o repasto nocturno até á altura das saudações e dos toasts. N’esta parte, justo é confessar que Henrique e o conselheiro fôram menos abstinentes. Era difficil resistir á preciosidade dos vinhos.

Passados os reciprocos brindes entre os parentes, o conselheiro, voltando-se para Angelo, auctorisou-o a propôr tambem um brinde.

Angelo levantou-se então para brindar Augusto.

O conselheiro secundou-o, levando o copo aos labios.

— Ah! o sr. Augusto — disse Henrique, antes de beber e com certo tom de ironia. — Conheço; é uma ave rara d’estas immediações, que tem brios de cavalleiro errante sob umas apparencias de philosopho.

— Brios de cavalleiro? — disse Angelo, com vivacidade. — Inda isso não é tudo, sr. Henrique; pode accrescentar, e alma de heroe tambem.

— Pois dê-se-lhe tambem alma de heroe, e se fôr preciso até consciencia de santo. Vá á saude da phenix!

E bebeu.

Depois de pousar o copo, proseguiu com o mesmo tom anterior:

— O que vejo é que é perigoso falar com a mais ligeira irreverencia d’esta personagem; corre-se o risco de vêr voltar contra o impio, que tanto ousa, os poderes conspirados do céo e da terra. Bem; prometto acatar essa preciosidade.

— E creia — disse-lhe o conselheiro — que lhe é merecedor de toda a consideração. Augusto é um d’estes caracteres excepcionaes que vivem á sombra