Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/247

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attrahiu a attenção certo vulto alvacento, que furtivamente se movia n’uma das ruas da quinta.

Pareceu-lhe uma figura de mulher.

Justamente n’aquella occasião tinha Henrique na memoria o periodo final da carta do seu amigo.

Por isso occorreu-lhe uma ideia satanica.

— Ah!... Querem vêr que... A dôr de cabeça subita... A insistencia em ficar só... Percebo... Um primo timido e modesto...

E murmurando estas palavras, um sorriso maligno encrespava os labios de Henrique.

— Se eu pudésse averiguar isto... Mas ella corre com uma ligeireza que, antes que eu ache meio de sair para a quinta... já a levará bem longe.

O meio porém não era difficil de encontrar. Da varanda em que estava Henrique passava-se com grande facilidade para outra immediata, na qual havia uma escada de communicação para a quinta.

Reconhecendo esta disposição do terreno, Henrique operou n’um momento a descida, e pouco depois procurava através da quinta os vestigios da mulher que tinha perdido de vista.

N’esta operação esforçava-se por combinar com a maxima ligeireza a possivel precaução, para não ser por causa alguma frustrada a sua pesquiza.

A quinta do Mosteiro era extensa e cerrada toda em volta por um solido muro de alvenaria. Aqui e alli abriam-se n’elle differentes portas que deitavam para os diversos logares da aldeia. N’este vasto recinto havia pomares, lameiros, vinhedos e hortas, por onde Henrique errava á tôa, já desanimado de ser bem succedido no empenho.

De repente julgou ouvir, a pouca distancia, o rodar de uma chave na fechadura. Parou por precaução e ficou-se a escutar. Logo depois ouviu o bater de uma porta e mais nada.

Então adeantou-se rapidamente; n’um momento deu com a porta, que ainda se conservava aberta.

Saiu por ella para a rua, mas achou-a deserta.