Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/266

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pelo seu caracter o mais completo desprezo; e então seria, como nunca, manifesta a minha independencia, porque eu nunca temi os seres que desprezo.

Henrique principiava a ser de novo subjugado pelo tom de severidade e de energia, com que a morgadinha lhe falava; ainda assim um resto de scepticismo obrigou-o a replicar:

— Santo Deus! prima Magdalena; não dê um colorido tão pavoroso ás minhas supposições. Despojal-a de uma crueza deshumana, para a dotar de uma sensibilidade, verdadeiramente feminil, é uma justiça feita ao seu coração. E o facto que o acaso me revelou a nada mais me auctorisa. O pequeno e natural despeito por me haver deixado illudir desvaneceu-se já, creia; e agora só me resta invejar a sorte de quem tem a felicidade...

— Basta! Ordeno-lhe que se cale, senhor! Nem mais um instante o escutarei; poupar-lhe-hei assim os remorsos, que ámanhã teria da sua infamia...

E animada por uma resolução mais energica, Magdalena caminhou soberanamente para a porta.

Henrique collocou-se-lhe outra vez deante.

— Um momento mais.

— Deixe-me passar, senhor.

— Não, sem que me ouça antes.

— É uma violencia?

— É uma supplica.

N’este momento saiu da obscuridade da rua fronteira um vulto que avançou para elles.

— sr.a D. Magdalena, se fôr preciso reter o insolente, que se lhe atravessa no caminho, ponho um braço á sua disposição.

E Augusto, de quem partiram estas palavras, veio collocar-se entre Henrique e Magdalena.

Ouvindo-o e reconhecendo-o, Henrique estremeceu de cólera. O olhar que fixou no recem-chegado trahiu a vehemencia da impressão recebida. Depois succedeu-se-lhe no espirito outra ordem de ideias.