—E ainda tem empenho de me curar?
—Empenho, todo; esperança é que menos.
—Ó meu Deus! que sinceridade de medico tão cruel! Seja; escutarei a sentença com coragem. Diga-me o que pensa de mim. Ha muito que não falamos n’isto. A ultima vez que o fizemos, um tanto categoricamente, foi n’uma occasião bem critica. Julgo que o meu procedimento de então até hoje lhe terá feito conceber do meu caracter um não muito desfavoravel conceito. Bem vê que não abusei...
—De quê?—perguntou Magdalena, contrahindo a fronte, n’um gesto de altivez.—É certo que tem em todo esse tempo dado provas de discreção, no que se mostrou maïs contricto que generoso. Pelo menos é assim que eu interpretei o seu silencio, e approvo-o em vez de agradecel-o.
—Seja contricção, visto que assim o quer. Mas não lhe merecerá ella alguma misericordia para com o peccádor?
—Escute. Sinto sincera misericordia de si, pode acredital-o. Ella só me obriga a perdoar-lhe algumas impertinencias, nem sempre demasiado delicadas, com que me mortifica.
—Está sendo tão amavel!...
—Perdôe, mas a sinceridade tem d’estas exigencias.
—Curvo-me perante as exigencias da sinceridade. Continue, primaMagdalena.
—Vae maïs longe ainda a minha misericordia, porque apesar da rebeldía do mal, inda não desisti de cural-o.
—Inda bem. E como? Ser-me-ha lícito penetrar no segredo do tratamento?
—Ha já agora uma unica maneira de o salvar.
—E é?...
—Apaixonal-o.
—Ah! n’esse caso estou salvo!—exclamou Henrique, n’um impeto, que não pôde passar sem um sorriso da morgadinha.