Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/430

Wikisource, a biblioteca livre
156

—­Jesus, meu Deus! Está morta!... Ermelinda!... Filha!... Isto não pode ser, Senhor!... Pois minha filha está morta?

A paixão principiava emfim a manifestar-se maïs tumultuosa; mas havia no tom de voz, com que estás palavras fôram pronunciadas, não sei quê tão intimamente doloroso, que presentia-se que, no curto espaço de tempo que as precederà, se tinha operado n’aquelle peito uma revolução tremenda, como se uma intima dilaceração o tivesse destruido. Adivinhava-se lá dentro já um desalento mortal, um mal de que se não convalesce nunca. Aquelle homem estava perdido.

—­Mataram-me a minha pobre filha! A minha Ermelinda... Que mal lhes tinha eu feito para m’a matarem?... Ó anjo do Céo! viver eu para te vêr assim!

E, tirando-a do esquife, cingiu-a contra o peito, cobrindo-a de beijos, que não conseguiam aquecer o gêlo d’aquellas faces.

Raros olhos ficaram enxutos ante aquella sincera dor. Desvanecera-se a ira popular; como que uma nobre vergonha, uma vergonha de boa indole, fazia já renegar aos maïs atrevidos os seus excessos passados.

O Cancella continuava:

—­Esta frialdade da morte! está brancura das faces!... isto mata-me, despedaça-me o coração!... Não me morras assim, filha! Não me morras antes de dizer-me uma palavra de amor... de perdão. Sim, tu tinhas que me perdoar antes de morrer! Por que não esperaste ao menos?... Pensar eu que hei de vêr-te partir, sem que me dês um beijo de despedida!... que te não hei de ouvir falar! Só! só! Ficar só! Só n’este mundo, Senhor!... Em que tanto vos offendi, meu Deus, para me castigardes assim!? Em quê?

Magdalena chorava, commovida, ao ouvir estás palavras dolorosas.