Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/437

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lhér que se perdeu, uma peça de louça que se quebrou, por exemplo, fornecem-lhes thema para uma prédica de duas horas.

Encaram o assumpto por todos os lados, paraphraseiam-n’o de mil fórmas e estendem milagrosamente por muitos períodos aquillo que a um homem a custo daría para uma magra oração.

—­Mas onde estavas tu? Sim, eu quero saber onde é que tu estavas. Faça favor de me dizer onde é que estava?

Isto dizia D. Victoria a um criado, estatelado deante d’ella com a cara e postura de réo.

—­Eu... senhora...—­ia elle a dizer.

—­Eu senhora... eu senhora... eu nada. Ora é o que é. Um desafôro assim!... Eu só quero saber se vossemecê ganha soldada para andar lá por onde muito bem lhe parece. Por as tabernas... por as vendas... Porque elle não ha maïs... Como o dinheiro se vae roubar á estrada... O que tu merecias... Estou eu aquí a chamar ha maïs de duas horas e vossemecê apparece-me lá quando é muito do seu gôsto? Isto atura-se? A culpa tem quem eu sei... Tu cuidas que mandriar não é roubar?

—­Mas...

—­Cale-se! Ouça e cale-se. Tens a lingua muito prompta para responder. Ora toma-me cautela, senão vaes já, já pela porta fóra. Pouca vergonha! Uma pessoa aquí afflicta, com as coisas por fazer, a querer mandar onde é preciso e não apparecer um criado n’esta casa! A pagar-se aquí umas soldadas por ahi além, e, quando se quer o serviço feito, tem uma pessoa de o fazer por suas mãos!... Tu cuidas que isso não é peccado tambem? Deixa, meu amigo, que tens boas contas a dar de ti. Quem é que lhe deu licença para sair sem ordem de seus amos? Faz favor de me dizer?

—­A sr.^a Christininha...

—­Eu não quero saber da sr.^a Christininha, quero saber quem lhe deu licença para sair?