Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/494

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Faltavam uns doze nomes, quando muito, e dos ultimos era o do herbanario, cuja inicial era um V.

Até alli a victoria podia ainda talvez questionar-se, porque a actividade do Tapadas tinha expremido as freguezias, que lhe eram affectas, até deitarem o ultimo eleitor; velhos, doentes, mancos e paralyticos fôram transportados em cadeiras e em padiolas até a urna para votarem. Mas a freguezia de Pinchões ia abafar a eleição inevitavelmente.

O conselheiro perdeu as esperanças, e o proprio Tapadas sentiu-se desfallecer. O brazileiro estava vermelho e febril de contentamento.

O escrutinador chamou finalmente pelo herbanario.

— Vicente Rodrigues da Fragosa — disse elle, preparando-se já para voltar o caderno.

— Adeante. Esse vae votar a uma assembléa mais longe — disseram alguns.

E ia-se proceder a segunda chamada, quando se ouviu do fundo da igreja uma voz trémula, mas sonora ainda, responder:

— Presente.

Voltaram-se todos ao escutar aquella palavra.

Adeantava-se lentamente, pallido, curvado, acabrunhado como nunca, o velho herbanario, a quem o braço de Augusto servia de apoio.

Dir-se-ia um cadaver resuscitado do tumulo.

Com as faces pallidas, o olhar amortecido, os passos incertos, o herbanario adeantava-se e trazia já de longe o braço estendido, segurando a lista que vinha lançar na urna.

Apoderou-se de todos os circumstantes um sentimento quasi de pavor, perante aquella figura anciã e alquebrada, que se dissera erguida do tumulo para responder á voz que a evocára. Todos se lhe afastavam do caminho com respeito, senão com supersticioso terror.

Fez-se alli dentro o maior silencio, silencio só interrompido pelo som dos passos arrastados do Vicente sobre o lagêdo da igreja.