Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/520

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Levantava-se para fazer os aprestes da jornada, mas havia em todos os seus movimentos uma indecisão, uma falta de consciencia, que não deixava dúvidas sobre o estado do animo que os regia.

Como que a todo o momento estava esquecendo a que fim convergiam as suas acções; e no meio do cumprimento de uma tenção, perdia a consciencia d’ella.

Parava defronte de um livro, como se irresoluto em saber se o levaria comsigo; mas cêdo afastava-o de si com enfado.

Examinou depois os papeis e as cartas; queimou tudo. Vestigios de passados devaneios, effusão de uma alma sensivel, fructos da juventude e da solidão, a que a primeira inspirára o enthusiasmo, e a segunda a melancolia, tudo consumiu; com certo prazer amargo via atear-se a chamma, desapparecerem as lettras, reduzir-se tudo a cinzas.

Respeitou apenas as cartas de Angelo, que releu commovido. Falava-se em algumas de Magdalena. O sobresalto do seu coração, ao ler aquelle nome, era então mais violento que nunca.

N’estas pesquizas veio-lhe ás mãos um pequeno masso, que pertencêra ao herbanario.

Ia para as queimar tambem, quando a inscripção, que viu por fóra da cinta que as enfeixava, o fez hesitar.

Liam-se estas palavras: — Cartas de Magdalena.

Cartas de Magdalena! Este nome tinha no animo de Augusto o valor de uma tentação.

Cartas de Magdalena! Era quasi ouvil-a falar, prazer a que já tinha renunciado; era entrar em communhão de pensamentos com ella, e infeliz de quem não concebe a casta voluptuosidade d’este gôso.

Mas ao mesmo tempo hesitava.

Pertencia-lhe tambem aquelle legado? Não seria um abuso lel-as? Devia antes queimal-as, mas...