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uma camada sólida à vista (anote-se que, dos tradutores mais recentes, Lambert, Talon e Elli optam, respectivamente, por earth, terre e terra).
Ressalte-se a estrutura poeticamente elaborada deste primeiro dístico, em que os termos, em cada metade dos versos, se correspondem numa organização quiástica (em forma de X):
enūma quando |
Eliš no alto |
šapliš em baixo |
ammatum o solo |
lā nabû não nomeado |
šamāmū o firmamento |
šuma por nome |
lā zakrat não chamado |
- a) em termos fonéticos e semânticos, eliš e šapliš no primeiro hemistíquio, bem como, no segundo, la nabû e la zakrat;
- b) em termos apenas fonéticos, no primeiro hemistíquio enūma e ammatum, no segundo, šamāmu e šumma.
Já nestes versos encontramos um traço estilístico bastante peculiar do Enūma eliš: a abundância de sinônimos, que muitas vezes oferece dificuldades para a tradução. Da esfera de nome/nomear, usam-se três termos de raízes diferentes: o substantivo šuma, acusativo de šumu, 'nome'; e os verbos nabû (masculino da terceira pessoa do singular do conjuntivo do estativo do verbo nabû) e zakrat (feminino da terceira pessoa do singular do conjuntivo do estativo de zakāru), ambos com o sentido de 'nomear', 'dar nome', 'chamar'. Em português não são tantas as opções.
Versos 3-4: A mesma dificuldade de tradução volta a registrar-se nos versos 3-4, em que ocorrem três termos na esfera semântica de 'progenitor(a)': zārû, 'semente', 'sêmen', 'progenitor'; mu´allidat(u), particípio feminino de (w)alādu, 'dar à luz', 'gerar', 'engendrar'; mummû, um termo poético raro para 'mãe', 'genetriz' (ver comentário sobre este último abaixo).
Uma segunda questão é a quem se refere o possessivo šunu, 'deles', nos epítetos "gerador deles" (zārušun[u]), relativo a Apsu, e "procriadora da totalidade deles" (mu´allidat gimrišun[u]), a Tiámat.