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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

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desejando destruí-los e sendo vencido por um de seus descendentes. Desse ponto de vista, ele corresponde ao Céu (Ouranós) na Teogonia de Hesíodo, bem como ao Céu no poema hitita comumente chamado O reinado dos céus. Ressalte-se, contudo, que em nenhum desses outros poemas se trata de alguma forma de água, o deus babilônico correspondente ao céu sendo Ánu. Contudo, “em documentos sumérios do terceiro milênio, um Apsu pessoal é atestado”, oferendas sendo feitas para exaltá-lo, ainda que “permaneça um divindade muito pouco conhecida” (LAMBERT, 2013, p. 217-218).

Como costuma acontecer com divindades que são elementos da natureza, não há representações visuais antropomórficas de Apsu. Num selo do período acádio, encontrado em Ur, vê-se Ea, com forma humana, sentado num trono e rodeado pelas águas do Apsu (imagem reproduzida em BLACK et al., 2000, p. 27). Pode ser que o poeta tenha tido o propósito etiológico de explicar a existência do lençol de água subterrâneo ao relatar como Apsu, vencido por Ea, se tornou a morada deste último (cf. v. 71-78 infra).

Como termo comum, denomina-se também apsu um tanque colocado no interior de santuários, a exemplo do construído pelo rei Senaqueribe (704-681 a. C.) no templo de Assur, na cidade de mesmo nome (hoje no Voderasiatische Museum, em Berlim).

Verso 4: Mummu é termo que, com o sentido de ‘mãe/genetriz/matriz’, ocorre apenas aqui, como epíteto de Tiámat (muitos optam mesmo por considerá-lo parte do nome próprio da deusa, Múmmu-Tiámat). Como termo comum, registram-se três homófonos de mummû: o primeiro designa um ‘objeto de madeira’; o segundo, um ‘ruído’; o último, derivado do sumério ‘úmun’, ‘sabedoria’ ou ‘habilidade’. É este último que se deve entender, serve de epíteto para Tiámat, “usado para poderes sobrenaturais e atos criativos”, de modo que Lambert o traduz como “demiurge” (LAMBERT, 2013, p. 218-219 e 251).

Considere-se que mais à frente Múmmu é o nome do mensageiro de Apsu (v. 30), o que parece ter sido fator de dúvida para muitos leitores. Damáscio (séc. V-VI d. C.), por exemplo – baseado em