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Página:A saga de Apsû no Enūma eliš.pdf/16

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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

Verso 6: Numa condição em que os protodeuses se misturavam como se um só, não logravam enredar pradarias (ou seja, produzir uma superficie seca) e amontoar juncos (nos pântanos, produzindo uma superficie aquosa), numa situação anterior ao aparecimento da paisagem, portanto, o que acontecerá apenas quando Tiámat for partida ao meio por Márduk e metade de seu cadáver der origem à terra.


Em termos de uma teleologia da narrativa, este verso ganha relevante significação, pois indica o ponto de partida donde se chegará ao objetivo cosmogônico final — a corografia. De outra perspectiva, caso se adote, com Hutter, o entendimento de que ammatu, no v. 2, significa, não 'terra', mas o 'mundo inferior', então esta é a primeira vez que se faz referência à superficie da terra, na qualidade de um terceiro elemento entre o firmamento, no alto, e o 'submundo'.


Versos 7-20: Nos primeiros oito versos do poema o que se desenhava era uma situação bastante estática, expressa pela ausência de verbos ou, com uma única exceção, pelo uso de verbos no modo estativo — uma forma que não tem "por função pôr o estado em relação com o processo, nem evocar o desenvolvimento anterior, mas sobretudo constatar a existência do estado expresso pelo radical do verbo" (cf. COHEN apud TALON, 1992). A única ação expressa com uso de um verbo no presente histórico é a de que Apsu e Tiámat misturam suas águas, o que todavia não redunda na formação de uma paisagem.


O que se constata no trecho que segue é que as ações então se sucedem. Essa mudança é anunciada pela repetição da conjunção enūma (quando), a qual, introduzindo três orações destinadas a descrever a situação ainda estática com relação aos deuses ("Quando dos deuses não surgira algum,/ Por nomes não se chamavam, destinos não decretavam), desemboca na oração principal: "Então engendraram-se (ibbanû) deuses no seu interior", com que se inicia a narrativa dos acontecimentos, com "a aparição em cascata de verbos no perfectivo", o que "dá a impressão de rapidez e encadeamento" (cf. TALON, 1992).

Rapidez e encadeamento é uma dicção bastante apropriada para esta que é a seção propriamente genealógica do poema, sendo toda