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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

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genealogia, no fundo, uma lista e a organização de listas configurando uma forma autêntica de epistemologia bastante explorada pelo pensamento mesopotâmico (cf. MIEROOP, 2015).

Em termos gerais, algumas peculiaridades devem ser ressaltadas. A primeira, do ponto de vista teogônico, é que se trata de passagem relativamente breve, em que as gerações se sucedem com rapidez:

Apsu-Tiámat
Láhmu-Láhamu
Ánshar-Kíshar
Ánu
Nudímmud

O ponto de chegada, como se vê, é Nudímmud ou Ea (em sumério, Enki). São duas as tradições relativas a ele: conforme a mais difundida, que aqui se adota, Ea é filho de Ánu; conforme outra, de Namma, uma deusa feminina, a massa de água primordial, a qual o gera por partenogênese (cf. LAMBERT, 2013, p. 44) — o que faria de Ea o primeiro dos deuses. A importância que se atribui à sua genealogia decorre naturalmente do fato de que, segundo o Enūma Eliš, é ele o pai de Márduk.

Deve-se, contudo, observar a relevância que, na lista genealógica, tem Ánu, o qual aparece sem um par feminino. Tudo leva a crer que é a partir da genealogia de Ánu que o autor do Enūma Eliš compôs a sua, que, sob vários aspectos, é sui generis. Isso porque, com exceção de Namma, caso pouco difundido, o primeiro deus nas genealogias teogônicas sumérias e babilônicas costuma ser a Terra: no exemplo mais antigo de que dispomos, que deve remontar à metade do terceiro milênio, o par inicial é Enki-Ninki (en = senhor; nin = semhora; ki = Terra), logo, literalmente, "Senhor Terra" e "Senhora Terra".

É curioso que a lista genealógica que mais se aproxima do Enūma Eliš seja a conservada, em grego, por Damáscio (Sobre os princípios 125, 1):

Tauthé-Apason
Dakhe-Dakho