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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

na cidade atual de Mossul, no Iraque. Os manuscritos babilônicos, em número de noventa e cinco, têm procedência incerta, salvo sete exceções (tabuinhas encontradas em Kish, Úruk, Síppar e Tell Hadad), sendo do período neobabilônico (626-539 a. C.) ou mesmo da época persa (séc. VI-IV a. C.).[1] Sete das tabuinhas encontradas em Assur são as mais antigas de que se tem conhecimento, datando da primeira metade do século IX a. C.[2] Mesmo que essa documentação seja do primeiro milênio, acredita-se que o poema tenha sido composto em torno de dois séculos antes, depois da conquista de Elam pelo rei Nebucadnezar (1125-1104 a. C.), provavelmente para celebrar essa vitória e a glória do deus de Babilônia, Márduk.[3]

Em linhas gerais, esses são os marcos cronológicos da história antiga do Enūma eliš, que, deixando de circular quando a escrita cuneiforme foi inteiramente abandonada e esquecida, nos albores da era cristã, permaneceu dois milênios literalmente enterrado sob a areia dos desertos do Iraque, até as descobertas de Layard, que permitiram que pudesse voltar a ser lido. A data do início da história moderna do poema é 1876, quando vem à luz, em Nova York, o livro intitulado The Chaldean Account of Genesis, da autoria de George Smith, o mesmo assiriólogo britânico que em 1872, havia dado a conhecer, também pela primeira vez, o relato do dilúvio presente em Ele que o abismo viu, a chamada epopeia de Gilgámesh.[4] Da mesma forma que com relação ao dilúvio, chamava a atenção de Smith e de seus contemporâneos a semelhança de aspectos do Enūma eliš – em especial as águas primordiais – com a

  1. Com relação aos nomes próprios acádios, a identificação das sílabas tônicas segue normas bem precisas (cf. Huehnergard, 2005, p. 3-4), o que orienta a forma como os acentuo, conforme os usos do português. No que diz respeito aos nomes próprios sumérios, uma língua de que se conhece mal o sistema fonológico, deixo-os sem nenhum acento, a não ser quando são correntes também em acádio, caso em que uso do critério anterior (Énlil, Úruk).
  2. Cf. Lambert (2013, p. 3-4).
  3. Cf. Yingling (2011, p. 38); cf. também Bottéro; Kramer (1993, p. 603); e, com extensa abordagem da questão e argumentação convincente, Lambert (2013, p. 439-444).
  4. Cf. Brandão (2017, p. 15-16).