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Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020

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surgiram (uštāpu, pretérito Št de (w)apû) e por nomes (šumi) foram chamados (izzakrū, pretérito N de zakāru).


Os dois nomes, nos originais, recebem o classificador 'deus' — dLaḫmu u dLaḫāmu—e, no poema, eles aparecem sempre como par. Neste ponto, nada indica que sejam os pais do par seguinte, Ánshar e Kishar, o que todavia corresponde à lógica das listas teogônicas e é afirmado mais à frente, em 3, 6, quando Ánshar declara que são eles "os deuses, meus pais". Todavia, a referência a "pai" ou "pais" é, muitas vezes, sinônimo de 'ancestrais': assim, em 3, 68 afirma-se que "foi Kakka até os deuses, seus pais", ou seja, até Láhmu e Láhamu, o que parece ser referência mais à senioridade de ambos que a filiação.

O par de deuses aparece com bastante frequência em listas com a genealogia de Ánu procedentes de encantamentos, datadas no primeiro milênio a. C., de acordo com o que apresenta Lambert (2013, p. 417, com as referências sobre a procedência das listas):

an-šar dki-šar
ddu-ri dda-ri
dlàḫ-ma dla-ḫa-ma
da-la-la dbe-li-li
den-uru-ul-la dnin-uru-ul-la

ddu-ri dda-ri
dlàḫ-ma dla-ḫa-ma
den-gur dga-ra
da-la-la dbe-li-li


[dlaḫ-m]a dla-ḫa-ma
den-gar dgà-ra
da-la-la dbé-li-li
[dd]u-ri dda—rí

ddu-rí dda-rí
dlaḫ-mu dla-ḫá-mu
da-la-la dbe-li-li



Com exceção da lista da primeira coluna, que inclui Anshar e Kishar no princípio e, no fim, Enurulla e Ninurulla — 'Senhor da Primeira Cidade' e 'Senhora da Primeira Cidade', o que, para Lambert (2013, p. 426), mostra "a importância da cidade no pensamento mesopotâmico antigo" —, bem como da inclusão de Engur (o mesmo que Apsu?) e seu feminino em duas outras colunas, a sequência Dúri-Dári/Láhmu-Láhamu/ Alala-Belili parece ser bastante regular. O último par (Alala-Belili) parece, como o considera Lambert, "sem significância cosmogônica", enquanto o primeiro, Dúri-Dári, remete a uma temporalidade primordial: tanto Dúri quanto Dári são variantes do mesmo radical, significando um tempo não dimensionável ou algum período de tempo (em Ele que o abismo viu 7, 103, traduzi a expressão dūr dār por "de era em era": "Vem, Shámhat, o fado fixar-te-ei,/ E o fado não cessará de era em era!").