Nunt. Antiquus, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 221-270, 2020
É significativo que o retorno de Ea se faça com uma série de qualificativos que tanto confirmam quanto ampliam o que dele havia sido dito antes. Observe-se como os dois trechos se atam:
v. 17-20 dNudimmud ša abbišu šālissunu šuma
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Nudimmud, a seus pais, era quem dominava, ele,
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v. 60-62 Ea ḫasīs mimmama iše´´ â šibqišun
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Ea, em tudo sagaz, desvendou-lhes o plano,
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O encaixe entre as duas passagens se dá, como se vê, pela reiteração do adjetivo ḫasīsu, 'sagaz' (recorde-se que, como substantivo, o termo significa tanto 'orelha' quanto 'sabedoria'), ou seja, é a sagacidade de Ea que permite a amarração entre teogonia e sucessão — essa inteligência que aqui se demonstra exatamente como acuidade de audição, uma vez que a vitória depende da capacidade do deus em desvendar os planos de Apsu.
No primeiro caso o da genealogia — são duas as qualidades superiores que se atribuem a Ea, acuidade/sagacidade (cf. uznu/ḫasīsu) e força (emūqu); no segundo — o da sucessão —, sagacidade (ḫasīsu) e astúcia (cf. uşurtu, 'plano', 'desígnio', 'ardil'; e unnakkil, pretérito de nakālu, 'ser astuto, hábil, esperto'). Ora, se sagacidade se aplica aos dois casos (no primeiro sendo relativa ao que poderíamos entender como dotes naturais do deus; no segundo, aos requisitos para que ele entre em ação), quando se trata de agir o que se realça é a importância da astúcia — e não da força — como complemento da sagacidade. Isso está inteiramente de acordo com o caráter de Ea.
Verso 62-65: Depois de ressaltar que Ea age com astúcia, o verso 62 introduz o meio por qual ele a exerce: seu "encantamento puro" (tû ellu) — e aqui devo confessar uma derrota como tradutor: não encontro