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ISSN: 2317-2347 – v. 9, n. 2 (2020)
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ocorre com o fonema /β/ daquela língua, que se realiza como /b/ ou /v/. Com relação à consoante oclusiva glotal /Ɂ/, ela desaparece nos nomes portugueses de origem indígena.

Foi o engenheiro baiano Teodoro Sampaio, autor de O Tupi na Geografia Nacional, publicado em 1901, quem primeiro chamou a atenção para o fato de haver importante toponímia de origem tupi em regiões que nunca foram habitadas por índios falantes de tupi antigo. São, na verdade, nomes originados das línguas gerais coloniais faladas nos aldeamentos missionários, nas bandeiras, nas monções e nas tropas, enfim, por grande parte dos membros do sistema colonial brasileiro. Efetivamente, nomes com origem em tais línguas gerais estão presentes em quase todas as regiões do interior do Brasil.

Com relação às outras centenas de línguas indígenas faladas no período colonial e nos dois séculos do Brasil independente, pequena foi sua participação individual na nomeação do espaço brasileiro. Se consideradas, porém, em seu conjunto, elas também tiveram uma participação expressiva em nosso sistema toponímico. Os topônimos delas originários, contudo, estão circunscritos territorialmente. Ademais, sucede que muitos desses nomes são intraduzíveis por serem oriundos de línguas já desaparecidas e que não foram estudadas nem gramaticalizadas no passado, diferentemente do que ocorreu com o tupi antigo, com a língua geral amazônica e com o nheengatu.

O tupi antigo foi falado até o final do século XVII. Em fins do século XIX foi a vez de o nheengatu perder primazia para o português em grande parte da Amazônia, sendo hoje usado quase somente no Alto Rio Negro. Já a língua geral paulista desapareceu com o grande fluxo migratório europeu para o sul e sudeste do Brasil a partir de 1850. Assim, o que explica as centenas de topônimos de origem indígena surgidos no final do século XIX e na primeira metade do século XX em todo o Brasil é a nomeação artificial. A criação toponímica artificial em tupi antigo ou em línguas gerais dele oriundas foi muito estimulada, com efeito, pela publicação da obra já mencionada de Teodoro Sampaio, que ajudou a fornecer muitos nomes para frentes pioneiras no Brasil do século XX, com o surgimento de muitos povoados e transformação de antigos distritos em municípios. Assim, na terceira edição de O Tupi na Geografia Nacional, lê-se o seguinte:

A predileção dos brasileiros pelos nomes indígenas na denominação dos lugares é hoje tão acentuada que a toponímia primitiva vai aos poucos se restaurando e às localidades novas dão-se, de preferência, nomes tirados da língua dos ameríndios tupis. (SAMPAIO, 1987, prefácio).

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