Página:A viagem maravilhosa.pdf/313

Wikisource, a biblioteca livre
298
A VIAGEM MARAVILHOSA

— Ai, ai, minha Nossa Senhora, não provoque, homem de Deus, gritou o cangaceiro com uma voz de desespero. Nós não temos fome, temos é secca. A terra será desgraçada, mas é nossa. Vocês, paulistas, venderam a terra de vocês a este bando de carcamanos e gringos, que invadiu tudo como formiga. Damnação. Brasil aqui se acabou.

O paulista, furioso, quiz intimidal-o.

— O melhor, cabra, é tu te calares, porque tu estás na patria alheia.

— Terra estranja, gritaram os camaradas nortistas.

— Olha, paulista, deixa de arreliação e de pabulagem. Tu só arrotas café, café. Vae te fiando. Nós somos da terra de canna, que dá assucar, cachaça, melado, rapadura. Assucar já foi rei. Assucar pagou a independencia do Brasil. Realeza do assucar acabou, acabará tambem despotismo de café.

Outro cangaceiro gritou, ameaçador:

— Toma tento, paulista velho, café é bicho andejo. Café te deixa nú na estrada, como já deixou Rio de Janeiro. Café agora só procura por Paraná e Matto-Grosso...

O administrador berrou para que acabassem com o bate-bocca. Os fiscaes intervieram gritando com os disputadores. Houve um silencio resmungado e os tocadores proseguiram, desenxabidos, na melopéa sertaneja.


A immundice da pagélança ostentava-se ao sol da ladeira da Gloria. Para os estrangeiros, que desciam das pensões, o «despacho» era uma porcaria a mais, na rua esquecida. Passavam repugnando-o, batendo com força os seus passos de desprezo. A gente mestiça estava apavorada. Logo que avistavam a pagélança, estacavam. Pregavam os olhos fascinados nas pennas pretas da gallinha e na farofa amarella, onde apontavam os funereos charutos. Benziam-se, praguejavam e não passavam. Retrocediam para o outro lado da ladeira. Toda a visinhança alarmou-se. A manhã inteira, o «despacho» com os seus malefícios excitou a