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Uma vez Carolina, não sei como, teve uma idéia extravagante: começou a sonhar acordada, e, como não há loucura que não roce as asas pelo delírio da imaginação, acabou por ver naquela flor misteriosa uma saudade que lhe enviava de além-túmulo aquele que a amara.

Abraçado assim o romance da flor com o culto do seu passado, é fácil adivinhar como ele não caminharia depressa ao desenlace: por mais absurda e impossível que a razão lhe apresentasse semelhante aliança, o coração a desejava, e ela se fez.

Uma noite resolveu conhecer quem era o seu desconhecido. Recostou-se por dentro da vidraça, na penumbra da janela. O aposento não tinha luz; era impossível vê-la de fora.

Esperou muito tempo.

Às 2 horas sentiu ranger a chave na fechadura do portão, que se abriu dando passagem a um vulto. A treva era espessa, Carolina mal distinguia; mas pôde ver o vulto parar defronte de sua janela, ficar imóvel tempo esquecido, e por fim deixar a carta e sumir-se.

Durante mais de meia hora a respiração ardente daquele homem e o hálito suave daquela menina aqueceram uma e outra face do vidro frágil que os separava. Carolina, que defendera por mais de quatro anos a memória de seu marido, que resistira a todas as seduções do mundo, sucumbiu à força poderosa desse amor puro e desinteressado.

Carolina amou.

Amava uma sombra morta; começou a amar uma sombra viva.