Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/190

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— «Nem V. Ex.ᵃ imagina o que por lá existe! Que miserias a fingir opulencia, quantas dôres que só a vaidade causa, que tristeza nessa vida postiça e sem elevação moral!

— «Conhece bem a vida de Lisboa?

— «Muito bem, tenho vivido lá bastante e sei perfeitamente o que tem de falsa. De quantas familias sei eu que passam o verão calafetadas em casa para dizerem que villegiaturam pelas praias elegantes!

— «O que quer dizer que tinha eu razão quando lhe dizia que é peor ainda a pretenção dos lisboetas... — retrucou Bella sorrindo.

— «Não sei... O que quer dizer é que, julgando-se differentes, não são mais do que eguaes productos de uma sociedade sem elevação, pobretona, sem amôr ao trabalho e sem modestia, uma sociedade em que todos são fidalgos e tem vergonha de serem o que realmente são.

— «Resumindo...

— «Póde viver-se apenas com raros que se isentam d’este vicio geral. E é o que eu faço aqui e em toda a parte.

— «Eu tambem — volveu Bella — tenho um horror intimo, instinctivo, quasi louco, ao contacto com a multidão...

— «Haja vista a noite da romaria em que cuidei que ficaria doente.

— «É certo, mas não foi n’aquella festa por ser popular. Pelo contrario, eu estimo o povo e desejava poder-me identificar com as suas festas, que têm de superior a sinceridade na alegria, a animação sem convencionalismos; hoje, a impressão não é de assombro como foi no arraial,