Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/196

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luxo em que a minha pobre boneca se fanou. Cadeirinha para passear, criados empoados, pequena sala de receber no mais rigoroso rocaille, salão, casa de jantar, alcova com seu leito baixo de grande cabeceira entalhada e doirada... emfim era uma verdadeira marquesa do grande seculo á qual não faltava a soubrette theatral, o abbade poeta, nem o fidalgo galante. Parece que estou a vêr todo este encanto da mais louca phantasia infantil, — terminou sorrindo á ingenua recordação, que dava um pouco de frescura e mimo ao sombrio evocar de uma infancia de orphã, criada no fausto, e tão pobre de alegrias simples e de affectos desinteressados.

João sorria tambem de tanta ingenuidade á mistura com o estranho vibrar de uma alma de mulher já feita pela dôr e pelo pensamento.

Bella continuou:

— «Quando vi aquella maravilha estaquei defronte da loja, ao cimo do Chiado, e custou muito á bonne arrancar-me d’alli. Devia ser coisa bem cara para que a pobre mulher apertasse as mãos na cabeça quando fallei em pedir a meu pae que ma comprasse. Mas que valor póde dar ao dinheiro a pessôa que não lhe sentiu nunca a falta? No entanto, com os discursos da velha inglesa, sempre me acanhei de pedir a realisação d’esse desejo. Tão pouco habituada estava a uma contrariedade que, de noite, não dormi com o socego de costume, e quando de manhã fui fallar a meu pae, que por acaso não tinha dormido fóra, elle estranhou-me o parecer. Inquirida com interesse, não tive forças de negar e, n’um mar de lagrimas, confiei a minha