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eu estiver sentado n’aquella cadeira de parocho, obrigar-me a receber intrujões que só querem desvirtuar a palavra de Christo e conduzir o povo ao barbarismo. A isso não me obrigará elle, nem ninguem!...

— «Previno-o mais uma vez, sr. abbade!... Olhe que lá diz o dictado: «com teu amo não jogues as peras».

— «Podem tirar-me o pão, mas ninguem me obrigará a falsear a minha consciencia.

— «Aqui não ha consciencia, ha desobediencia, — gritou fóra de si.

— «Vá, sr. cura; demais sei eu o que o senhor é e o que pretende. Diga ao sr. bispo que estes braços trémulos de velho, cançados de se levantarem em supplicas ao Deus piedoso e bom que nos deixou o testamento do Evangelho, ainda terão forças para pegar na enxada e ganhar o pão honradamente para mim e para os meus.

— «Sr. abbade, não me cance a paciencia — rouquejou o cura, vendo o sachristão e o sineiro pararem assombrados á porta da sachristia.

— «Paciencia demais tenho eu tido, sr. cura, e já me basta de lhe ouvir as hypocrisias e fingimentos. Nunca por nunca, fique sabendo, emquanto eu fôr parocho d’esta terra, hãode ouvir os meus parochianos quem os desnorteie e afflija.

O padre Mathias sahiu a deitar lume pelos olhos — na expressão ingenua do sachristão — e n’essa mesma noite partiu aforradamente para Fradosa, a conferenciar com o fidalgo e com os missionarios seus hospedes.