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mais fundo na indifferença d’uma existencia que não tinha um fim.

É certo que não abandonara o que chamava os seus deveres de mulher de sociedade, tendo camarote em S. Carlos, indo ás primeiras representações, frequentando as festas elegantes, dando o seu nome para todos os divertimentos de caridade, recebendo semanalmente n’umas reuniões intimas a que ia toda a Lisboa, ella que não tinha intimidade com ninguem.

Mas tudo isso o fazia por habito, com o espirito alheado e desinteressado d’aquella vida em que o corpo se lhe fatigava.

Não obstante, — tão grande é em nós essa força! — adquirida pelo uso conseguia communicar ás suas festas uma alegria de que estava bem longe, e tinha espirito e intelligencia bastantes para intellectualisar mesmo essas reuniões, que havia dois invernos estavam na moda e para as quaes se mettia empenhos para ser convidado, como se fosse a iniciação da suprema elegancia ser recebido n’aquelle interior aristocratico.

Na verdade, a severa compostura do seu porte e a graça exangue do seu sorriso diziam bem com o rico mobiliario herdado e que o visconde acrescentava sempre n’um enthusiasmo de apaixonado bric-a-braquista.

Entre os pesados cadeirões com pés de garra, os tamboretes de velludo lavrado, os pannos d’Arrás forrando as paredes onde os avós se alinhavam em solemnes attitudes, os reposteiros armoriados, os bufetes e contadores, n’uma uniformidade de estylo que era a maior preocupação do visconde, essa nobre figura de mulher