Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/300

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maculada pela mentira e pela traição, laivada pelo sangue das suas victimas, aquellas que mais acariciadoras achegava ao coração.

Quando entrou finalmente no quarto do Alliança teve a sensação de allivio que sente o dormente acordado do pesadello esmagador.

— «Estou cançada — dizia desapertando o vestido e cobrindo os hombros com uma capa para chegar á varanda, onde João fumava um resto de cigarro — estou fatigada de arte, de luzes, de barulho, de gente, sobre tudo de gente.

— «Ou isto ou o socego da nossa casa! — respondeu João, passando-lhe o braço pela cinta, fatigado tambem de impressões, aborrecido de mentiras e convencionalismos.

— «Que longe já estamos d’essa miseria — accrescentou ella, reclinando a cabeça no hombro do marido — parece que vivemos em outro mundo.

— «N’um mundo que tu criaste, no reino da felicidade pelo amôr e pelo bem, querida.

— «Tenho já tantas saudades da nossa casa, que parece que sahi ha muito de lá. E tu?

— «Tambem eu, muitas, da nossa casa, da nossa familia, das nossas flores, de todas as coisas que lá nos interessam, e sobre tudo da alegria e do descanço que têm os nossos espiritos, crentes na obra redemptora que encetámos e da qual chego a duvidar cá por fóra ouvindo o riso escarninho de todos estes egoistas epicurianos, ou sinceramente desilludidos, como a Maria Helena.

— «D’essa é que tenho pena... quem me déra podê-la levar para a nossa republica de