Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/342

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criança. — Mas que casa tão escura! Não te vejo bem, vem aqui á janella.

A filha deixava-se conduzir docilmente, encantada tambem de rehaver esse pae que tanto amara e admirara na infancia e que tanto a fizera soffrer.

Caminharam para o largo vão da janella onde tres cadeiras cabiam a par e levantando o antigo reposteiro deixaram penetrar na sala o reflexo doirado do ultimo raio de sol poente, que foi movimentar as graciosas pastorinhas que n’um grupo de velho Saxe ensaiavam um alegre baile campestre.

As talhas de porcelana China de um brilhante vidrado côr de chocolate e phantastica floração, resaltaram do fundo pallido da parede donde se dependurava, em magnifico quadro, o corpo sangrento de homem, virando para o céo um olhos de angustiada esperança, emquanto o sangue corria rubro das feridas feitas pelas frechas que se dependuravam, ou espetavam ao acaso no corpo magro de martyr.

Em baixo, os criados com infinitas precauções arrancavam de entre as mantas de viagem e traziam em braços um corpo tão emagrecido e um rosto de tão mortal pallidez, que Bella recuou suffocando uma exclamação.

— «É o Visconde — respondeu o pae á sua muda pergunta.

— «Está morto?

— «Pouco lhe falta... Um cancro no estomago. Mataram no os ultimos dois mezes de Paris, gosados com o desespero de quem se vê arruinado e... abandonado.