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no mais puro e authentico Luiz XV, o mobiliario mais do gosto do Visconde, como se as preciosidades da fórma e o florido do desenho fallassem ao seu espirito ligeiro, ainda que brilhante, falho d’aquella sobriedade e rectidão proprias a quem encara a vida a sério. E fôra um acaso, filho da commodidade, que fizera com que a Viscondessa escolhesse para o rodear na morte que se annunciava banal de soffrimento atroz, todo o brincado futil desse estylo, a desymetria na apparencia tão symetrica, a sobreposição de ornatos heterogeneos no detalhe e tão harmonicos e bellos no conjuncto, copia fiel de uma epoca e uma sociedade assombrosamente grande pelo luxo, e pelo espirito, vista a distancia, e tão pequena, tão mesquinha de preoccupações e sombria de crimes, tão estranhamente formada de caracteres frisando entre si o mais absurdo contraste. Era exactamente n’essa moldura de luxo e requintada elegancia, entre raridades que tem o seu quê de libertino pela sensualidade das suas linhas, como pelas historias galantes que suggerem, que morreria o bello homem que fôra o Visconde, fazendo da vida apenas um jogo, egoista e ambicioso, tudo e todos sacrificando ao capricho de um momento, symbolo de uma outra sociedade, menos bella e mais banal por certo, mas como a outra eivada de erros, preconceitos e crimes, como a outra vivendo atordoada pelas proprias gargalhadas e festas, sem attender á multidão que rola na sombra como vasa de esgoto, torva de dôr e de miseria, a clamar vingança.

Longe estava a Viscondessa de taes pensamentos