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Pedro d’Avellar, depois de ter visto a filha atravessar ligeiramente o pateo, dirigiu-se ao quarto do doente e alli se instalou, pedindo a Viscondessa que se retirasse.

Doía-lhe o aspecto d’aquella mágua, que inutilmente viera acrescentar á somma não pequena das que a vida dera já a essa mulher, que tinha como toda a gente direito a ser feliz e que da sua superioridade apenas conseguira tirar motivos para agudo padecer.

Se o egoismo fallava e o absolvia da crueldade, mostrando lhe que só assim poderia ter encontrado a filha, a mesma felicidade que d’esse encontro lhe advinha e que lhe fazia mergulhar o espirito n’um calentoso banho de ternura, adoçava-lhe o coração e fazia-o soffrer do soffrer alheio, o que n’outro qualquer momento da vida lhe não aconteceria.

O seu temperamento amolgado pelas necessidades da vida fizera-o um sceptico. Muito novo ainda, tivera que defrontar-se com as miserias e mentiras sociaes, n’uma lucta de interesses e ambições em que todos os desejos de justiça e lealdade lhe foram fenecendo, tornados ridiculos como utopias de poeta — o mais sangrento e offensivo epitheto que descobriu a soberana mediocridade para lançar em rosto a um homem intelligente que deseja acompanhar o trabalho com a iniciativa propria. — Torcendo-se sobre si mesmo como planta trepadeira que não encontra apoio, procurára no egoismo e na satyra, no orgulho e no despreso pelos outros, vasar todo o rancor e nojo que lhe inspirava essa sociedade triumphante pela hypocrisia, pela