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D’uma passividade infermiça para tudo quanto não fosse o seu prazer, desde criança que o tempo que a prima levava a lêr e a estudar o passava ella a contemplar-se ao espelho, a ataviar-se, ou a entregar-se a pensamentos de que ninguem podéra nunca conhecer o fito.

Orgulhosa, d’uma susceptibilidade irritante, filha d’esse mesmo orgulho que a dilacerava, supportava mal a posição que a sorte lhe destinára.

Se os primos e os tios a tratavam com a confiança que dá a amizade, ella lia nas suas maneiras sómente o dó. Soffria porque os criados, que adoravam os filhos dos patrões, tinham sorrisos e ápartes de despreso pelos seus modos de rainha de emprestimo; soffria porque a Pillar tinha a graça e o espirito, que traz a intelligencia cultivada; mas soffria principalmente e desesperadoramente pela falta de fortuna que a punha n’aquella dependencia.

E calava-se, comprimindo sob a frialdade do sorriso um fundo de entranhadas cobiças. Incapaz de procurar a independencia pelo trabalho, incapaz mesmo de considerá-lo uma coisa possivel para naturezas excepcionaes como a si mesma se considerava, ia continuando a receber tudo d’aquelles que no seu intimo odiava, por isso mesmo que tudo lhes devia.

Não tendo sido nunca uma criança ingenua, porque o convivio d’uma familia em que o pae era bebedo e a mãe e os irmãos mal educados lhe tinha feito muito cedo conhecer da vida tudo quanto ella tem de inferior e baixo; foi muito precoce no desejo de agradar e no convencimento de