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O doutor estava, contra o costume, n’uma disposição de espirito arrelienta, nervoso, maldisposto, com vontade de implicar e dizer mal.

Aproveitando a liberdade que o seu logar de medico da companhia lhe dava, levantou o balcão e pela casa das bagagens atravessou para a gare, que estava ainda em profunda treva.

— «Então o que é isto!? Hoje não accendem as luzes? — perguntou mal humorado aos homens que o tinham seguido.

— «Ainda não deu a partida, senhor doutor.

— «Ora adeus! Accendam isso que são horas — commandou energico, emquanto os outros, vencidos, iam de má vontade buscar um caixote para chegar aos candieiros.

Começou de passear para acalmar os nervos, e de momento a momento parava, olhava o mostrador de duas faces do relogio da estação, puxava da algibeira o seu remontoir, e confrontava-os, achando sempre que ambos deviam estar atrazados.

Chegava a Viscondessa, causa unica e involuntaria d’aquella agitação... Para que negá-lo? Era um sonho de muitos annos, a porção incorporea e ingenua do seu sentir, o ideal que lhe tornava supportavel a vida trabalhosa, solteira de affectos. Julgavam-no egoista, solteirão incorrigivel, todo avesso a phantasias amorosas, e afinal... Desde muito novo que esbarrára n’aquelle sonhar impossiveis que lhe fechára olhos e coração a qualquer outro sentimento.

Nunca sentira necessidade de confessar-lhe, nem a si proprio, mesmo, quanto havia de profundo amôr no interesse que ella lhe inspirava.