Página:Amor de Perdição (1862).pdf/25

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mou a casa. As varandas das janellas foram a ultima dadiva que a real viuva fez á sua dama. Quer-nos parecer que a dadiva é um testemunho até agora inedito da demencia de D. Maria I.

Domingos Botelho mandara esculpir em Lisboa a pedra de armas; D. Rita, porém, teimara que no escudo se abrisse um emblema das suas; mas era tarde, porque já a obra tinha vindo do esculptor, e o magistrado não podia com segunda despeza, nem queria desgostar seu pae, orgulhoso de seu brasão. Resultou d’aqui ficar a casa sem armas, e D. Rita victoriosa[1].

O juiz de fóra tinha alli parentella illustre. O aprumo da fidalga dobrou-se até aos grandes da provincia, ou antes houve por bem levantal-os até ella. D. Rita tinha uma côrte de primos, uns que se contentavam de serem primos, outros que invejavam a sorte do marido. O mais audacioso não ousava fital-a de rosto, quando o ella remirava com a luneta em geito de tanta altivez e zombaria, que não será estranha figura dizer que a luneta de Rita Preciosa era a mais vigilante sentinella da sua virtude.

Domingos Botelho desconfiava da efficacia dos merecimentos proprios para cabalmente encher o coração de sua mulher. Inquietava-o o ciume; mas suffocava os sus-

  1. É a casa-palacete da «rua da Piedade», hoje pertencente ao doutor Antonio Girardo Monteiro.