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relação, obviamente, é menos lógica que emocional) sente medo. Como não sabemos do que ele tem medo, ficamos com medo também. Tudo gira e, por girar, parece assemelhar-se de forma confusa, enquanto a noite cai furiosamente e predomina o negro - que é o próprio símbolo do desconhecido, instintivamente ameaçador. A dificuldade em atingir um sentido fixo, nesse caso, serve à construção de um estado incômodo na leitura de que há algo que não dominamos propriamente na percepção do mundo e na interpretação do poema. Esse estado de primeira percepção das semelhanças gritantes entre as coisas aparece, outras vezes, como especialmente doentio. É o caso da seção III de “Six significant landscapes”: “I measure myself/ Against a tall tree. / I find that I am much taller, / For I reach right up to the sun, / With my eye, / And I reach to the shore of the sea / With my ear. / Nevertheless, I dislike / The way the ants crawl/ In and out of my shadow” (STEVENS, 1973, p. 74).

Ora, o que importa aqui é mostrar como um pressuposto coerente pode causar um problema lógico, expresso pelo “dislike”, por um incômodo que parece menor, mas é aqui essencial. Eu sou superior a (“muito mais alto” que) uma árvore, pois uma árvore não pode, como eu, alcançar a costa e o sol. Entretanto (e aqui a adversativa é tudo, pois constrói a autoironia), se eu considero essa afirmativa como verdadeira, preciso assumir que uma formiga é superior a mim, pois ela alcança o que me é inacessível: ela pode penetrar a minha sombra.

O que pode parecer puro relativismo, entretanto, é aqui mais uma exemplificação de como, da perspectiva da ideia de poesia como ficção suprema de que parecem nascer os poemas de Stevens, uma realidade relacional é sempre mutável: “Perhaps / The truth depends on a walk around a lake”, nos diz em “Notes” (STEVENS, 1987, p. 126). Como lembra Harold Bloom, a ficção suprema nos permite partilhar da compreensão do mundo, mas “partilhar” nunca poderá ser “nos apropriar”, pois só há compreensão do humano como ser condenado a indagar sempre a partir de sua realidade única como “breve evento relacional” (BLOOM, 1963, p. 78).

Voltando, portanto, à seção XI de “Thirteen”, estamos diante da variação doentia da percepção metafórica. Sukenick lê essa passagem como a simples interrupção do mundo natural (o bando de melros) no mundo da fantasia (o homem que observa a sombra de sua carruagem) (SUKENICK, 1967, p. 76). Porém, como se viu, a sombra aparece frequentemente em Stevens como símbolo do aspecto angustiante (porque uma associação ou logicamente equivocada - caso de “Six significant landscapes” - ou caótica de tudo com tudo

que leva a uma perda da apreensão das relações metafóricas - caso de “Domination of

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 92-113, 2016. ISSNe 2175-7917