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ordenação que reflete a própria gênese poética (SUKENICK, 1967, p. 77). Claro que essas questões estão presentes no poema, porém, parece-me, apenas o tangenciam. O otimismo de Stevens quanto às possibilidades da linguagem como conhecimento são, afinal, bem mais norte-americanas que francesas, e seu amor a Mallarmé não obscurece sua linhagem whitmaniana, para quem “The eternal equilibrium of things is great, and the eternal overthrow of things is great,/ And there is another paradox” (WHITMAN, 2008, p. 208). O matiz de Stevens, nesse sentido, é o de homens como o William James de “The will to believe”, para quem não há angústia nenhuma em encarar que não há conhecimento apriorístico, fora da existência relativa (JAMES, 1912).

Assim, o que aparece como erro, ou como estado estéril, em “Thirteen” é perder a possibilidade de intensificação da diferença produzida pela comparação. Para os limites da discussão a que nos propusemos aqui, portanto, cabe ainda um olhar para um terceiro aspecto - ou terceiro mood - presente no poema. Vimos que temos um estado de interpretação (de ordenação do mundo, em I e IV) a partir da semelhança descoberta e um estado de angústia (em que tudo se confunde com tudo, descrito em XI). O terceiro aspecto compete à questão da ideia de que a ordenação não domina para sempre, como notado por Bloom. Sabe-se que a ideia de mudança é extremamente importante para Stevens (uma das proposições de “Notes” é que uma ficção suprema “deve ser mutável”), pois ela preserva um aspecto que, se perdido, pode recair na mentira de um mundo completamente descritível - o que, além de perder o mistério, elemento caro ao poeta, leva à monotonia de que tudo é só repetição, de que a mudança é sempre uma cópia de algo que já aconteceu.

Tal proposição pode ser ilustrada pelo contraste entre VI, IX e XIII. Começando por IX, Sukenick observa que o limite que o melro marca é aquele da visão: ao voar para fora do alcance da vista, o melro fecha uma “área inteligível” (SUKENICK, 1967, p. 74), demarcada pelo olhar (limitado), mas, poderíamos também dizer, pela existência igualmente limitada. Por extensão, pode-se entender que, em XIII, o melro está imóvel - pois a percepção do espaço- tempo está imóvel (“it was snowing / And it was going to snow”). O melro estático é a melancolia do monótono, que não apreende as metamorfoses que dão sentido às coisas particulares e únicas. É curioso perceber que, enquanto na primeira seção o movimento dos olhos do melro cria a estaticidade da paisagem, no último o melro, já compreendido francamente como mediação da leitura do mundo, assume uma função não contrastiva:

criando um efeito bem diferente, ainda que seja uma variação sobre o mesmo tema. O objetivo, enfim, é esgotar as possibilidades. Em VI ainda no mesmo esquema, a sombra do

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 92-113, 2016. ISSNe 2175-7917