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E, respectivamente:

SUPRASSUMO DA QUINTESSÊNCIA

O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
tudo o que eu digo
tem ultrassentido.


Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério. (LEMINSKI, 2004, p. 38)

A possibilidade de relacionar os dois poemas não passou despercebida pela crítica. Fabrício Marques, no livro Aço em flor – A poesia de Paulo Leminski (2001), identificou e discutiu dentro de sua proposta investigativa, que é explorar as várias facetas estético-poéticas identificáveis na poesia de Leminski, principalmente no que tange o seu referencial intertextual:

Da obra poética, pretende-se apresentar quatro das possíveis dimensões que se descortinam aos olhos do leitor. Assim, articula-se a poesia (enquanto concisão, invenção, informação e consciência semiótica) com as ligações de Leminski com uma forma oriental que teve seu auge no século XVII – o hai-kai; com a Tropicália (1967-68); com a vanguarda concretista (meados dos anos 50 até fins dos 60); e com a semiótica. Esta última dimensão, aliás, está intrinsecamente ligada à anterior, como que complementando-a, pois a Poesia Concreta expressa a “consciência intersemiótica e assimilação, pela criatividade, da Revolução industrial”
(MARQUES, 2001, p. 30)

Assim Fabrício Marques constitui o que Maria Esther Maciel, no prefácio do livro, chamou de “faces poliédricas”: cada “face” seria representativa de uma “linha de força” específica, passível de ser identificada nessa poesia “multifacetada”. Importante enfatizar que essas “faces” são interdependentes na poesia de Leminski e tornam-se identificáveis somente pelo corte analítico-crítico, como recurso para compreender como se constitui essa poesia.

Dentro desse contexto, Fabrício Marques apresenta e discute ambos os poemas. Segundo o autor, entre eles há uma “transformação” – o primeiro transforma-se no segundo – que é índice de um aspecto constituinte da poesia de Leminski:

A transformação do poema não deixa dúvidas quanto a uma insistência no aporte metalinguístico, uma necessidade de explicação da poética do autor, acarretando na utilização frequente de recursos tais como a ironia e a metalinguagem enquanto fingimento poético. Como assinalado no poema, o “inframistério” é percebido justamente na ironia (Se rio de mim/ me levem a sério). Por outro lado, uma análise superficial levaria a concluir que o fato de ter aumentado o poema nesses dois exemplos seria um abandono do rigor. Na verdade, esse procedimento efetuado por

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 154-169, 2016. ISSNe 2175-7917