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sua individualidade poética. Isso é identificável nas cartas enviadas a Régis Bonvicino, que compreendem uma extensão de tempo entre meados de 1976 até o início de 1980. Esse período de formação, por sua vez, recebe seu coroamento em 1983, com a publicação de Caprichos e Relaxos, seu primeiro lançamento através de uma grande editora: a Brasiliense.

Naquele momento o livro lhe rendeu considerável popularidade, ao vender um número expressivo de exemplares e ter sucessivas reimpressões (VAZ, 2001).

Por outro lado, o mesmo êxito de vendas não se deu com Distraídos Venceremos (1987) seu segundo livro de poemas editado pela Brasiliense. Quanto a essa divergência, é possível associá-la a uma mudança de perspectiva por parte de Leminski, de um livro ao outro. Enquanto que em Caprichos e Relaxos parece ser o momento de conquista e consolidação de sua própria dicção poética – a síntese entre rigor formal e acessibilidade, aspecto largamente explorado pela crítica atual –, em Distraídos Venceremos há um propósito bem delimitado:

Nas unidades de Distraídos Venceremos (1987), resultado do impacto da poesia de Caprichos e Relaxos (1983) sobre a fina e grossa cútis da minha sensibilidade lírica [...], acredito ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência através da rarefação (LEMINSKI, 1987, p. 07)

Compreender, explicar e interpretar esse propósito é tarefa realizada noutra ocasião e foge do escopo deste artigo; por outro lado, mostrar e enfatizar essa mudança de foco pode servir como indicativo de que em Leminski as coisas nem sempre são o que parecem. Digo isso tendo em vista do constructo crítico ainda predominante sobre sua poesia, de que é o resultado da ação biográfica do autor: uma persona atuante nos meios culturais e midiáticos, que se articula de um repertório cultural e intelectual sofisticado, erudito, eclético, associado a um comportamento debochado, (auto)irônico, muitas vezes humorístico, afeito a cultura pop.

Nesse sentido Paulo Franchetti constrói seu argumento, de que essa poesia perde atualmente sua força lírica devido à falta da figura biográfica do autor:

Lida hoje, a poesia de Leminski se ressente da ausência do seu criador. A consideração objetiva dos seus gestos verbais nem de longe permite ter uma ideia da energia que os animava, e que provinha daquilo que não era texto: a construção de uma figura pública de alto poder de sedução, graças ao brilho da inteligência, ao ecletismo de princípios e procedimentos e à eficácia da carreira de poeta pop, capaz de transitar à vontade entre os mass media e os redutos da cultura erudita. Sua poesia tinha assim um caráter essencialmente performático, que já tornava efetivo aquilo que apresentava como ideal futuro: “vai chegar o dia / em que tudo o que eu diga / seja poesia” (FRANCHETTI, 2007, p. 287-288)

Nota-se a preponderância dada, até o momento, tanto na figura biográfica de

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 154-169, 2016. ISSNe 2175-7917