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não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto inserto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto? (LEMINSKI, 1987, p. 19)

Sob um critério didático, o poema pode ser dividido em quatro partes, cada uma correspondendo a um momento específico de como se dá a relação entre o eu-lírico e o “mistério”.

A primeira estrofe engloba três desses momentos. O primeiro se constitui do 1º verso ao 4º verso, constituindo um momento de expectativa: espera-se a chegada do “mistério”: “quando o mistério chegar”. O segundo momento compõe-se do 5º ao 10º versos e retrata o momento em que o “mistério” está presente, implicando numa ação: “quando o mistério aumentar”. O terceiro momento se constitui do 11º verso ao 14º, em que se retrata uma expectativa de retorno do mistério, que já se foi: “quando o mistério voltar”, recobrando um estado similar ao do primeiro momento, também de expectativa, compondo um círculo de “chegar/aumentar/voltar”. O quarto momento corresponde a segunda estrofe, em que se retrata a própria categoria de “mistério”. Vejamos com mais detalhes.

No primeiro momento é estabelecido um ponto de encontro entre o eu-lírico e o “mistério”, mas trata-se de um espaço de tempo: “de sábado para domingo”, do último dia da semana para o primeiro, o que sugere um encerramento de um ciclo ou etapa, e início de outra. Desse modo não é gratuito que no terceiro momento, como vimos, fica em aberto a possibilidade de retorno do “mistério”, compondo o movimento circular. Outro aspecto que chama a atenção é de o eu-lírico estar “dormindo”, isto é, encontra-se noutro estado de consciência cuja percepção não se dá diretamente pelos sentidos, assim como a atuação de suas faculdades intelectuais é restrita. É como se estivesse numa posição meditativa.

O segundo momento é quando o “mistério” encontra-se presente: “Não haja som

nem silêncio, / quando o mistério aumentar. / Silêncio é coisa sem senso, / não cesso de observar. / mistério, algo que, penso, / mais tempo, menos lugar” (ênfase minha). Fala-se

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 154-169, 2016. ISSNe 2175-7917