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ajudaram a explicar a desigualdade como inferioridade. Ao mesmo tempo, as discussões passam a sinalizar que, sim, seria possível contornar a miscigenação, desde que se caminhasse para o cada vez mais branco, emergindo uma ideia que ñncaria raízes no pensamento brasileiro: a ideologia do branqueamento.

Assim, apesar de muitos estudiosos da época se vangloriarem da “promoção da igualdade” no Brasil, supostamente comprovada pela falta de distinções legais baseadas na raça, o impulso ao branqueamento como “prática social” iria se impor como construção histórica que, de forma contundente, alia status social elevado com cor e/ou raça branca.

Ao dividir aqueles que poderiam se organizar em torno de uma reivindicação comum e ao fazer as pessoas se apresentarem no cotidiano como o mais “branco” possível, incidindo sobre identidades e induzindo a negociações pessoais e encobrindo o teor discriminatório embutido nessa construção, a ideologia do branqueamento ñncaria a pele branca no topo da hierarquia social.

A perspectiva de um futuro garantido da nação brasileira com o seu progressivo branqueamento veio acompanhada, no século 19, pela ideia de uma convivência harmoniosa entre os povos que permitiria que o Brasil, supostamente, tivesse até beneñcios com sua mistura única. Para Hofbauer (2006, p. 195), Joaquim Nabuco foi um dos primeiros intelectuais a lançar mão dessa ideia de boa convivência.

Nabuco acreditava que as divergências no país se restringiam a questões de classe e, como a escravidão não teria fundamentado um ódio entre as raças, bastaria garantir a igualdade nas leis para que se alcançasse a igualdade social, na prática. Pecando ainda por defender um certo melhoramento racial com o gradativo clareamento da população, com tais argumentos, o intelectual pró-abolicionista tencionava reduzir o medo de proprietários de possíveis reações violentas dos negros, caso alcançassem a liberdade.

Seguindo a mesma tendência, o contemporâneo de Nabuco, Sílvio Romero também desñou elogios à mestiçagem, desde que igualmente passando por um processo de “evolução” e progressivo branqueamento. Porém, seria a partir de meados do século 20 que o mestiço seria apontado como verdadeiro “ícone nacional”, nas palavras de Schwarcz (2012), símbolo da identidade brasileira cruzada no sangue e sincrética na cultura, ou seja, no samba, na capoeira, no candomblé, na comida e no futebol.

Munido do desejo de manter as colônias africanas remanescentes, no século 20,

Portugal contribuiu para a promoção da ideia de um Brasil que teria se tornado “paraíso racial”, propagandeando, como reitera Almeida (2007), o regime português como um

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 170-187, 2016. ISSNe 2175-7917