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medida em que, segundo Caldwell (2000, p. 5), é justamente a ausência de discussão pública sobre raça e racismo que resultou no apagamento discursivo das realidades de dominação racial. Falar de raça, então, é questionar essas posições relegadas ao negro mas deve ser também falar do branco, das condições que vêm garantindo seus privilégios e as consequências por sua situação de vantagem.

É preciso pontuar, no entanto, que Peter Wade (1993) já havia alertado que, embora a maior parte dos estudiosos da área apontarem para a concepção de raça como uma construção social, há o perigo de, por vezes, se incorrer no erro de supor características f1sicas, seja em relação ao cabelo ou à cor, como algo neutro. As variações fenotípicas, diz ele, não são garantidas e nem óbvio objeto biológico mas sim igualmente elaboradas socialmente.

Em uma breve digressão, é necessário pontuar que Restrepo e Rojas (2010, p. 118- 119) apresentaram as limitações teóricas de Aníbal Quijano quando este apontou que a relação sexo-gênero se diferiria de cor-raça, à medida em que o sexo pressuporia uma diferenciação biológica, que encontraria expressão intersubjetiva no gênero, enquanto cor não teria nenhuma signif1cação biológica, de modo que sua relação com raça seria tortuosa. No entanto, admitir o sexo como realidade biológica pré-discursiva e anterior à história é questionável. Como diria Fausto-Sterling (2002, p. 60), a sexualidade é um fator somático criado por um efeito cultural. Mas, além disso, o próprio conhecimento científ1co ou mesmo o olhar das pessoas não está livre dos contextos sociais e de histórias específ1cas, carregando essas marcas. Como questiona a autora Fausto-Sterling (2002, p. 55), se as mulheres em todas as partes do mundo estivessem subordinadas, isso não acabaria por significar que sua posição secundária seria biologicamente determinada?

Assim, igualmente não se percebem “naturalmente” as diferenças de cor de pele ou dos tipos de cabelo. Essas variações f1sicas não são atemporais, mas surgem por meio de um sistema que as destacaram e classificaram no período colonial e que se reorganiza até hoje. Porém, quanto menos essas diferenciações fenotípicas são vistas como culturalmente construídas, mais raça é reproduzida como uma categoria que, apesar de toda a construção social, é baseada em significantes f1xos, consolidando-se processos de desigualdade. Enfim, como af1rma ainda Wade (1993), no processo de combater as discriminações, é preciso desestabilizar os significados admitidos como f1xos sobre os quais elas se fundamentam nos discursos, inclusive midiáticos, a que se somam tentativas de discussão sobre os contextos nos quais tais conceitos são levantados.

Portanto, o uso do termo de forma política se trata de um movimento contrário

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 170-187, 2016. ISSNe 2175-7917