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constam de sua obra poética publicada nos livros[1]. Tais versos se agrupam em formas poéticas diversas e variados temas. Ademais da temática incomum do poema “Ao jantar”, vale destacar a sonoridade dos seus tercetos: “[...] Que foi? Foi a faca, má, está cotó / Que o dedo me cortou sem pena e dó / Resvalando da mão, no chão, certeira. / Fiquei triste e... a barriga descontente / O apetite perdeu neste incidente / Passando sem comer a tarde inteira!...” (2013, p. 224). Em relação à versificação ou aos recursos estilísticos, há versos brancos como em “Cabriolas” (2013, p. 232), em que a voz poética faz uma crítica à postura pela indumentária burguesa; ou versos que exploram os ecos, como em “Fiáus”, onze poemas em uma crítica ao baronato, findando com os triolés que foram alocados em uma subseção conforme a tipologia da composição.[2] Tal modalidade representa, segundo Uelinton Farias Alves, um período da produção poética de Cruz e Sousa, e vai desaparecendo de sua expressão “até a cristalização de seu estilo, que vai culminar na obra imortal, que são suas produções simbolistas. (ALVES, 2013, p. 20). Destes triolés, “Questão dupla” sobressai-se por tratar do conflito do gari frente a sua missão “questão do lixo” como matéria de seu trabalho e a “questão da carne”, que é sua sobrevivência. Dessa temática de fazer durar a carne, o corpo, pela subsistência, aliam-se os poemas “Mais pão”, “Carne... por um óculo” e “O bife”.

Vale destacar, aqui, os dois poemas que tratam mais diretamente da questão da escravidão e do abolicionismo. São eles, o soneto “Nova realeza” e o de versos em heptassílabos, “Aleluia!”. O primeiro faz saber da nova realeza, que surge, impondo-se como a lei e ensinando como a escola, e “[...] que sabe castigar os frutos do pecado; / do Olimpo desabando os deuses mentirosos [...]” (ALVES, 2013, p. 220), que sendo improrrogável, será implacável, e chama-se Liberdade. O outro poema, dedicado à estréia do Club Abolicionista “Ceará Livre”, prenuncia que, após longa odisseia entremeada de aventuras e desventuras, a nau avista o farol da liberdade. Novos tempos, nova era, “[...] que sepulta os erros nas lousas”, tempos modernos em que as rimas, embora humildes, a que receberão coroas e bravos, serão alinhadas aos das lutas na demanda da libertação dos escravos, e, no fim, a estes bravos deverão cair louros em coroação da vitória pela abolição.

Por fim, apresentados alguns fios destes tecidos, nas prosas e nos versos inéditos, pelas “[...] máscaras de Zat, Zot, Zut, Cruz, Trac, Coriolano Scevola, Zé K. e Lord” (ALVES,


  1. SOUSA, Cruz e. Missal. Rio de Janeiro: Magalhães & Cia., 1893. SOUSA, Cruz e. Broquéis. Rio de Janeiro: Magalhães & Cia., 1893. SOUSA, Cruz e. Evocações. Rio de Janeiro: Tipografia Aldina, 1898. SOUSA, Cruz e. Faróis. Rio de Janeiro: Tipografia Instituto Profissional, 1900. SOUSA, Cruz e. Últimos sonetos. Paris: Aillaud & Cia, 1905.
  2. Triolés são um tipo de composição poética configurada em estrofes de oito versos, em que o primeiro, o quarto e o sétimo versos se repetem e o oitavo é igual ao segundo, na sequência: ABCADEAB.

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 198-202, 2016. ISSNe 2175-7917