Página:Anuário de Literatura vol 21 n 1.pdf/47

Wikisource, a biblioteca livre

neste artigo, é discutir a assertiva de Augusto de Campos sobre a configuração antropofágica do poeta baiano, partindo das premissas elaboradas por Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago, passando pelo pensamento teórico de Haroldo de Campos que ratifica a palavra de seu irmão, até confluir nos poemas que exemplificarão as afirmações aqui expostas.

Antropofagia tropical

Acertadamente, Haroldo de Campos (2010, p. 209) considera que “GM soube levar a mistura de elementos do Barroco à própria textura de sua linguagem, através da miscigenação idiomática de caldeamento tropical”. O Barroco brasileiro é a imagem desse discurso de Haroldo de Campos. O transplante do Barroco para a América provocou essa mistura na linguagem. A viagem pelo Atlântico admitiu ao Barroco ser perfurado pelo intenso jogo tropical da abundância das frutas, das paisagens, das flores.

Em Gregório de Matos, seu texto poético traz traços dessa miscigenação cultural, na tradução do processo antropofágico, como “uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o jabuti” (ANDRADE, 1978, p. 17). Como exemplo da devoração linguística, o poema que se segue já a indica na didascália “Disparates na língua brasílica a huma cunhaã, que ali galanteava por vicio”:

Indo à caça de tatus
encontrei Quatimondé
na cova de um jacaré
tragando trezes Teiús:
eis que dous Surucucus
como dous Jaratacacas
vi vir atrás de umas Pacas,
e a não ser um Preá
creio, que o Tamanduá
não escapa às Gebiracas.
De massa um tapiti,
um cofo de Sururus,
dous puçás de Baiacus,
Samburá de Murici:
Com uma raiz de aipi
vos envio de Passé,
e enfiado num imbé
Guiamu, e Caiaganga,
que são de Jacaracanga
Bagre, timbó, Inhapupê.
Minha rica Cumari,
minha bela Camboatá
como assim de Pirajá
me desprezas tapiti:

47

Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 46-57, 2016. ISSNe 2175-7917