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tomou forma, seguindo o prumo da teoria elaborada por Oswald de Andrade, a antropofagia, entendida como um processo sob o qual se concentra a deglutição do outro, no sentido da absorção dos valores alheios para inseri-los no universo cultural que o absorve. Baseando-se no rito canibalesco, em que o sangue e o corpo do guerreiro inimigo são devorados com o fim de absorver suas forças, Oswald de Andrade elabora uma teoria vanguardista que explica perfeitamente a formação da sociedade brasileira. O rito antropofágico também está presente, nessa perspectiva, na Eucaristia, em cujo simbolismo se concentra a absorção do corpo e do sangue do cordeiro imolado, portanto, compatível com o canibalismo.

A poesia barroca de Gregório de Matos está em perfeita consonância com o teatro da vida, fazendo encenar juntos, antropofagicamente, o índio, o negro, o português, o espanhol. É uma poesia que reflete o barroco tropical, um barroco das simbioses, das mutações, no qual os elementos dos trópicos se mesclam aos europeus; portanto, é uma poesia antropofágica.

O caráter polivalente dos versos gregorianos, nos quais podemos enxergar um período muito importante para a formação da identidade literária no Brasil, é a fonte para defender a hipótese de que ele foi nosso primeiro antropófago, que soube unir os elementos díspares de uma sociedade barroca, amalgamando-os para resultar no que hoje chamamos Brasil.

Referências

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 46-57, 2016. ISSNe 2175-7917