efeito, é no mínimo curioso mencionar a Europa como se a Rússia dela não fizesse parte. Tal tratamento nos remete à problemática identitária russa que nunca pôde ser definitivamente resolvida (mesmo nos dias de hoje). Confluência de diversas culturas, a Rússia é europeia, asiática ou um país único que precisa ser observado fora dos padrões geográficos e/ou geopolíticos que se apresentavam à época em que Dostoiévski produziu seu escrito? Não desenvolverei esse debate aqui, que por si só já mereceria um texto exclusivo em que poderíamos discutir as ideias eslavófilas e ocidentalistas à luz do século XIX. Por ora, lembremos apenas o que o próprio escritor diz a respeito do tema:
Nessa passagem, Dostoiévski explicita um sentimento comum do povo russo de então: o sentimento de não pertencimento à Europa. Talvez exatamente por isso a visão das modernas cidades europeias como algo “maravilhoso”, especialmente Paris e Londres, tenha se arraigado de maneira tão profunda no “pensamento russo” daquela época. É notável que Dostoiévski não faça afirmações nessa passagem, mas apenas perguntas, o que demonstra que ele mesmo não era capaz de compreender como a Rússia não se tornara “europeia”, ou seja, como aquele país ainda não se tornara moderno. Em meados do século XIX, a Rússia era uma nação majoritariamente camponesa, e mesmo nas primeiras décadas do século XX o cenário não se modificara de maneira significativa. Angelo Segrillo (2012) observa que em 1913, não obstante o país figurasse como quinto maior produtor mundial da indústria bruta, isto é, um produtor industrial em grande escala, não havia hegemonia produtiva se se considerasse a produção per capita – um país pequeno como a Bélgica, por exemplo, possuía produção muito mais significativa para a sua economia interna do que a da grandiosa Rússia, cuja modernização somente se consolidaria, de fato, após a industrialização advinda da revolução bolchevique em 1917.
Sem dúvida, Paris e Londres foram as cidades que mais impressionaram Dostoiévski em suas viagens. A primeira representava um mundo justo no sentido estético do termo: a cidade perfeita na qual cada elemento parecia estar em seu lugar adequado; cidade que marchava harmoniosamente em um progresso contínuo (o que não deixa de ser visto com certa dose de ironia pelo escritor). Contudo, Dostoiévski não faz questão de esconder o espanto diante da grandeza da metrópole, capital cultural do mundo àquela época e que, ainda
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