Página:Ao correr da pena.djvu/191

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digo, um retrospecto, que ocupará as colunas do Correio Mercantil durante oito dias consecutivos.

E para começar vou já cuidando em traçar a história desta primeira semana que começa pelas étrennes e acaba pelas cantilenas dos Reis. A chuva, as tardes de trovoadas, o tempo enfarruscado, entristeceram quase todos estes dias.

Na sexta-feira, porém, uma bela noite de luz, fresca e agradável, parecia convidar as alegres procissões que lembram a antiga tradição dos três reis magos, vindos do Oriente guiados por uma estrela para adorar o Menino Jesus.

Hoje, como todos os antigos costumes, esta festa vai caindo em desuso. Já quase não se vêem nesta corte aquelas romarias folgazãs, aqueles grupos de pastorinhas, aquelas cantigas singelas que vinham quebrar o silêncio das horas mortas.

A noite de Reis atualmente é apenas a noite das ceias lautas, dos banquetes esplêndidos; de maneira que, a julgar da tradição pelas festas de agora, dir-se-ia que os reis magos eram três formidáveis comilões, que vieram do Oriente unicamente para tomarem um fartão de peixe, de ostras, de maionese e gelatinas.

Em todas as épocas o homem teve a balda de desfazer no presente e de encarecer o passado. "No nosso tempo era outra coisa" dizem os velhos desde o princípio do mundo. Entretanto, seja pelo que for, seja que aquilo que passou exerça sobre a nossa imaginação um prestígio poderoso, o que é verdade é que nossos pais sabiam divertir-se melhor do que nós.

Outrora todas as festas tinham o seu quê de original, o seu cunho particular que as distinguia uma da outra. O Natal era a festa do campo; tinha a sua missa do galo à meia-noite, as suas alegres noitadas ao relento, os seus presepes toscos, mas encantadores. Logo depois vinham os Reis com as suas cantigas, as suas romarias noturnas, as suas coletas para o jantar do dia seguinte. São João tinha as suas fogueiras, os seus horóscopos à